quarta-feira, 30 de julho de 2014

Helene Londahl, a norueguesa pioneira em enfrentar a Cracolândia em São Paulo

Uma senhora norueguesa chamada Helene Londahl, oficiala do Exército da salvação e moradora de São Paulo, certo sábado à noitinha vendia o jornal Brado de guerra nas ruas da capital bandeirante. Atravessou o largo Paissandu e entrou na rua Timbirias, um lugar suspeito naquela época. De repente, a moça solteira de 33 anos se viu, pela primeira vez, dentro de uma zona de  meretrício. O vocabulário as fisionomias, os corpos seminus, os olhares transbordantes de lascívia, a deturpação e a comercialização do sexo encheram a mente de Helene de um misto de pavor, revolta e asco. Contudo, prevaleceu m sentimento de profunda piedade pela figura universal e tão antiga da "mulher perdida". Naquela noite e naquele lugar (que hoje é a cracolândia), Deus começou a empurrar a norueguesa para um tipo de ministério diferente muitissimo díficil. Ela ou aquele momento foram "a aurora do horizonte social do Brasil".

Aproximava-se o Natal de 1936. Helene, que era salvacionista desde os 23 anos, resolveu fazer alguma coisa em favor das mulheres da rua Timbiras. Conseguiu a colaboração das senhoras da Igreja Presbiteriana Unida, cujo templo fica ali perto, na rua Helvétia e de Maria Josefina Anderson, uma jovem brasileira de 21 anos. O plano era oferecer aquelas mulheres a oportunidade de uma mesa de guloseimas e mostrar-lhes o amor de Deus, a necessidade e a possibilidade de deixarem aquele tipo de vida. O encontro seria no salão social da igreja da rua Helvétia. Para avisá-las disso, Helene e Maria Josefina se enfiaram na rua Timbiras e fizeram cerca de trezentos convites, entre o espanto, o desprezo e o estado de embriaguez das mulheres ali residentes. No dia de Natal a mesa estava muito bem adornada  e farta. As senhoras presbiterianas se perguntavam, elas virão...Quantas...Por fim, chegaram quatro. Apenas quatro. Sentaram-se à mesa e foram servidas com amor. Enquanto participavam, desenvolveu-se um pequeno e bem organizado programa espiritual, com cânticos e leitura da Bíblia. Uma delas, de tão sensibilizada, levantou-se bruscamente e pôs-se a chorar. Helene foi ao seu auxílio e ofereceu-lhe hospedagem em seu próprio quarto, até que ela se ajeitasse. A mulher aceitou. Ficou combinado que em poucos dias a norueguesa iria buscá-la. A palavra, no entanto, foi cumprida somente pela salvacionista. A mulher da rua Timbiras não conseguiu libertar-se da rede em que fora capturada.

Em termos de frutos imediatos, o balanço da tão bela iniciativa foi melancólico. Porém, é bom saber que o Lar das Moças, do Exército da Salvação, no Bosque da Saúde, que ampara e procura erguer as mães solteiras, antes que as circustâncias e a sociedade as tornem "mulheres da vida", é resultado da visão e do trabalho de Helene. Inaugurado no dia 12 de fevereiro de 1938 - um ano e alguns dias depois daquela refeição natalina -, o Lar das Moças acolheu mais de 1.300 mães solteiras nos primeiros vinte anos de sua história. Hoje o Lar foi acolhido ao projeto FloreSer, que apoia adolescentes gestantes ou que já são mães  e seus familiares em situação de vulnerabilidade social, além de promover ações preventivas voltadas para adolescentes de ambos os sexos.

Depois de trabalhar dezoito anos no Brasil, a coronel Londahl tornou-se chefe do serviço social feminino na África do Sul e na Suécia, sucessivamente, até sua aposentadoria. Regressou, então, ao Brasil, doutourou-se em sociologia pela Universidade de São Paulo (1967), recebeu a Medalha de honra Esso Brasileiro de Petróleo e a Medalha de Santo Olavo, do rei Olavo V, da Noruega. Morreu de uma trombose, no dia das Mães de 1973 - ela que, embora sendo solteira era a mãe das mães solteiras.

Fonte: Revista Ultimato julho agosto de 2014 - da edição.

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